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quarta-feira, março 16, 2005

Maracangalha... Minha Mãe

Acho que para ser um bom escritor é preciso, além de várias outras coisas, uma ótima memória e uma certa capacidade de "contar causos". Acho que nesse quesito terei problemas. Às vezes paro para tentar lembrar de coisas do meu passado, minha infância e vejo que as memórias existem, mas não são tão fortes, de forma que eu possa trazê-las com toda a força para o presente, assim como Vinícius, ou livros ricos em detalhes como de Pedro Nava.

Entretanto, nem tudo está perdido nessa cachola, e até um peixinho dourado deve ter alguma coisa que fica fixa por mais tempo em sua memória. Assim também é comigo e chegou a hora de fazer justiça a uma pessoa de extrema importância na minha vida: Minha Mãe.

Pessoa séria, caprichosa, trabalhadora, amorosa. Sempre cuidou da sua casa e sua família com muito amor, de uma forma que às vezes nos chateava, mas sempre nos amou. Infância difícil nascida em um vilarejo na Bahia, Caraibas, distrito de Tremedal, ainda menina mudou-se para Vila Pereira, distrito de Nanuque, Minas Gerais, e daí para a sede. Filha de família comum, humilde... vamos adiantar pois isso não é biografia... só quero dizer que minha querida mãe sempre foi uma pessoa humilde, mas que zelava muito por nós, mas todos temos nossas manias e minha mãe também tem as suas: adora casa limpa e organizada, chegando a uma neurose graças a isso, mas é graças a essa neurose que tenho uma das lembraças mais gostosas da minha infância.

Cuidadosa que era com a casa, não gostava de menino pequeno tomando banho e sair bagunçando os quartos sendo assim, tomávamos banho todos juntos, ela, eu e minhas duas irmãs. Isso era uma festa, assim com todos juntos, ocasionalmente meu pai também estava, tornando a festa ainda maior. Isso nos tornava um pouco diferente e se tivéssemos composto a música Família do Titâs acrescentaríamos: 'Toma banho junto todo dia'... era a nossa história e gerou mais histórias.

Nesses banho minha mãe costumava cantar Maracangalha,

Maracangalha
(Dorival Caymmi)

Eu vou pra Maracangalha
Eu vou
Eu vou de uniforme branco
Eu vou
Eu vou de chapéu de palha
Eu vou
Eu vou convidar Anália
Eu vou

Se Anália não quiser ir Eu vou só
Eu vou só, eu vou só
Se Anália não quiser ir
Eu vou só, eu vou só
Eu vou só, sem Anália
Mas eu vou

... mas de uma forma adaptada, não havia Anália e sim Alexandre, Bianca e Janaina...

- Eu vou convidar o Alexandre, eu vou... Se ele não quiser ir eu vou só...

Essa era a nossa deixa, em que sempre respondíamos "Eu vou", como poderíamos deixar nossa mãe ir sozinha para Maracangalha, um lugar tão distante e desconhecido quanto o Tororó, onde ela também nos levava vez ou outra. É verdade que Bi, nossa rebelde sem causa(1), às vezes negava, para indignação minha e de Jana, mas era só charminho mesmo.

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É engraçado hoje escutar Maracangalha, dá vontade de ir para o banheiro, chamar minhas irmãs, minha mãe, meu pai, sentar no chão e deixar que minha mãe esfregue minhas costas, ou eu mesmo esfregar as das minhas irmãs para ajudar. Mas como no momento meus pais estão longe e minhas irmãs dormindo, choro de saudades. Saudades de coisas boas que vivi, vontade de poder vivê-las mas os dias são outros, saudades dos meus queridos pais que estão em Teixeira de Freitas, próximos como uma chamada no Skype, mas tão distantes para um abraço apertado, saudade da minha mainha, pegá-la, jogá-la na cama e beijar todo carinho e sem parar, até meu pai chegar no quarto sorrindo e nos chamando de palhaços.

Saudade.

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1. Rebelde sem causa: Esse domingo (13/03/2005) teve uma reportagem falando que os primogênitos são mais obedientes, enquanto os mais novos são mais "rebeldes", para tentar chamar a atenção dos pais. Por isso mesmo têm maiores propensões a serem pessoas que vão contra o sistema, idealistas. Bem, azar o meu que sou primogênito.

Um comentário:

  1. Olá Alexandre...
    Seu texto me comoveu (palavra muito expressiva essa, mas não é drama, rs) e me fez voltar no tempo também...
    Engraçado para mim foram as semelhanças. Porém quem cantava Maracangalha para mim era meu pai, e mais uma coisa, apesar de ser a primogênita, sou eu a rebelde sem causa da minha mãe, rs.
    Muito bons os seus textos, mas me parece que há tempos que você não aparece aqui...
    *Grazi (graziele_bh@hotmail.com)

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